_ Por que estou desse jeito? Pergunto em voz alta enquanto me balanço calmamente na rede.
_ Porque sim e pronto! Alguém responde.
Olho para os lados para ver de onde vinha aquela voz e vi que eu estava sozinha.
Era uma voz tão clara, tão perto que parecia ser eu mesma falando…
_ É, acho que estou ficando louca! Falo sorrindo.
_ Claro que não! Ouço a Voz dizer. Simplesmente você está conseguindo me ouvir e conversar comigo, quer dizer, com você mesma!
Paro um minuto para absorver o que acabo de ouvir.
_ Pois então, vamos conversar. Sobre o que mesmo vamos falar? Pergunto desafiadora.
_ Ué… responde a Voz; você estava perguntando por que está desse jeito. Podemos começar por aí. Que tal?
_ Tá bom! Respondo. Então vamos lá: porque só agora consigo ficar horas vendo os passarinhos voando, procurando seus ninhos, esperando o beija flor que vem a toda hora tomar a água doce que deixo para ele e nunca fiz isso antes?
_ Ora por que… porque sim! Diz a Voz. Você morava no alto de um prédio, cercado de outros prédios, sem árvores por perto, pra falar a verdade, uma selva de pedras, como iria ver passarinhos e beija flor?
_ E a lua e estrelas, por que eu não parava para ver? Continuo.
_ Porque se você parasse na rua, seria atropelada por um carro; fala rindo a Voz.
_ É, você está achando graça nessa história, né? Então me responda, dona Sabe Tudo, por que eu me emociono e até choro com pequenas coisas como essas? Pergunto.
_ Vou falar sério com você! Diz a Voz falando pausadamente: porque você envelheceu. É! É isso mesmo! As pessoas quando são jovens vivem tão ocupadas e apressadas que esquecem de parar, ver e sentir a natureza. Isso é uma das coisas boas do envelhecer e agora que você está nessa idade, acaba dando valor a essas pequenas coisas que vão despertando lembranças que vem em forma de emoções.
_ E isso é bom? Pergunto já meio chorosa.
_ Claro que é! Afirma a Voz. O que seria de nós sem essa vivência, essa aprendizagem que nos leva a ser pessoas melhores?
_ Sabe Voz, (agora eu estou me sentindo super íntima da minha interlocutora) às vezes tenho saudade do que não fiz, de pessoas que não conheci, de países que não visitei… isso é possível?
_ Agora você está filosofando! Diz a Voz com sabedoria. É possível sim porque em algum momento tudo isso um dia fez parte da sua vida em histórias que ouviu, filmes que assistiu, conversas que ficaram nas gavetinhas da sua memória.
_ Hum…respondo bocejando; esta conversa está me dando sono de tanto ouvir você falar e falar…
_ Bem, se você está com sono eu também estou porque somos apenas nós. Responde a Voz bocejando também. Vamos deixar nosso papo para outra hora?
_ Sim…obrigada Voz por conversar comigo. Digo fechando os olhos.
A Voz sorriu e se recolheu em si mesma.
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“SOU SEMELHANTE AO PELICANO NO DESERTO; SOU COMO UM MOCHO NAS SOLIDÕES. VELO E SOU COMO O PARDAL SOLITÁRIO NO TELHADO.” Salmos 102- 6 e 7