Quando dei por mim, eu tinha pai, mãe, um irmão e uma babá.

Ela tinha a pele bem escura, um colo macio, era alegre, cozinhava como ninguém e engomava minhas anáguas que eu vestia aos domingos para ir à Igreja.

– Tem que ficar bem armada, Pedrina! Bem duras que parem de pé! Eu falava na minha impaciência de criança.

E ela engomava novamente, passava, me vestia e penteava meus cabelos crespos, sempre ouvindo meus choramingos.

Aí sentávamos para conversar: lareira acesa, pinhão estourando na brasa, vento gelado passando pelas frestas da porta, lá em Castro onde morávamos.

Castro

E sempre acabávamos pedindo para mamãe contar a “história da Pedrina”.

– “Eu e seu pai”, começava ela, “fomos morar, logo que casamos, em Machado, lá onde você, Silvinha, nasceu. Mas isso foi bem antes de você vir ao mundo. Como seu pai era pastor, visitávamos sempre as famílias da Igreja. Íamos a sítios, casas bem longe do centro e foi numa dessas vezes que chegamos em uma casinha bem pobre, de tábuas, chão de terra batida, apenas um cômodo onde morava a família da Pedrina: pai, mãe e sete filhos. Começamos a conversar, ensinar sobre higiene, cuidado com as crianças, quando vi, espiando pela porta aberta, uma carinha risonha. Colocava a cabeça, olhava, sorria e escondia de novo. Foi quando o pai dela contou-nos que não tinha condições de sustentar sua família, que estavam doentes e que, portanto, iam dar seus filhos. Se quiserem, ele falou, podem escolher qualquer um e levar. Eu então apontei para a porta e disse que era aquela menininha que eu iria levar. E assim, trouxemos a Pedrina para nossa casa. Como ela tinha piolhos, tivemos que raspar sua cabeça após o banho com bucha e sabão. Tiramos os bernes e colocamos creolina. Encontramos carrapatos e tiramos enquanto ela chorava… e nós também. Era magrinha de dar dó, mas fomos tratando com carinho e assim ela se curou e entrou para nossa família”.

Muitas vezes ouvimos essa narrativa e cada vez nos empolgávamos com a parte dos bichos e cada vez os olhos de Pedrina se enchiam de lágrimas de reconhecimento.

Como ela nos amava!

Viveu sempre ao nosso lado até se casar com um cabo do exército que servia com meu irmão.

Não podia ter filhos, mas queria tanto!

Até que um dia conseguiu engravidar e mamãe cuidou dela com infinita paciência, porque sua pressão subia pondo em risco sua vida e do bebê, que veio ao mundo recebendo o nome de Yedda em homenagem à minha mãe.

Mae negra (1)

Viveu pouco, depois disso.

Fiquei com aquela impressão triste de que se foi cedo demais…

Agora só restam lembranças e saudades!

(Do meu livro Confidências ao Meio Dia)

Imagens: 1) http://www.castro.pr.gov.br; 2) simplismentevida.blogspot.com

6 comentários em “A MENINA ESCOLHIDA

  1. Sensível e de reconhecimento a esta menina pobre e sofrida que foi acolhida com carinho e amor pela sua família e também soube ser grata! Bonito, Silvia!

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